sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Mais um conto de Natal



Eu tinha minhas próprias convicções sobre o natal e algumas delas me diziam que eu não gostava mesmo dessa data. Talvez fosse o fato de apenas nessa data toda a cidade resolvesse ser boazinha com os órfãos da cidade, inclusive a mim. Era hipocrisia demais. Ou fosse o fato que foi num natal que me apaixonei por Mary Elisabeth Rosen.

Ela era a personificação da noite e do meu medo. Olhos brilhantes como uma estrela e os cabelos tão negros como a noite mais escura do planeta. Meu medo maior era sua riqueza que me afastava dela embora tivéssemos corrido pelo orfanato inteiro rindo naquele dia 25, como se ela fosse uma de nós. Ela era tão rica que acho que suas doações mensais poderiam manter nosso orfanato vivo sem esforço nenhum. Eu havia tomado ódio por aquela data onde ela sorriu e me beijou na bochecha dizendo que nunca me esqueceria enquanto corria pro pai que a esperava na porta da limusine. E ela partiu me deixando ali sozinho, odiando o calor do beijo dela e os flocos de neve que sempre se amontoavam naquela data.

Anos depois eu estava nessa cidade, de volta ao que seria meu lar. Agora um recém formado operador de sistemas com um emprego na Apple e um velho suéter usado e remendado de estimação. Presente de alguém que nunca soube quem era. Ando de bicicleta pela rua que já acumula alguns centímetros de neve, embora não esteja nevando agora, enquanto me dirijo a ultima entrega do dia. Falta cerca de uma hora para meia noite e estou levando alguns doces, queijos, uvas e vinho para a casa no fim da Rua Alfred. Estava quebrando um galho pro velho John dono da mercearia da cidade e aproveitando e revendo alguns amigos antigos. Depois dessa encomenda voltaria ao orfanato onde brincaria com as crianças e seus presentes recém abertos, passaria mais uns dias na cidade e iria embora para sempre dali. Esse era o plano. Mas ele não funcionaria, eu percebi isso na hora que abri o portão do endereço e vi escrito Rosen na caixinha do correio.

- Ela não está em casa. Ela não está em casa. Ela não está em casa. Ela não está em casa. Ela não está em casa. – eu falava baixo sabendo que rever meu amor de infância acabaria com meus planos de esquecer a cidade. Mas ela estava.

Abriu a porta usando meias pretas escuras, sapatilha, uma combinação de saia com pregas e uma blusa vermelha, além do gorro de papai Noel. O cabelo negro estava curto agora e em cachos, mas os olhos brilharam quando abriram a porta.

- Jeremy? – ela falou abrindo completamente a porta. – Pelas renas do papai Noel! Jeremy Wenber!
Eu não sabia que reação era aquela, na verdade não entendi se era uma pegadinha até que ela pulou em mim, me agarrando pelo pescoço, me fazendo absorver seu perfume de forma rápida e inesperada me inebriando completamente. Até que acordei do susto e pude abraça-la já que ela permanecia ali, como se sentisse minha falta.

- Jeremy! Por onde você andou? – ela falou me soltando e me olhando. – Cheguei na cidade e fui te procurar e todos falaram que você tinha sumido no mundo! Entra, entra!

Ela tirou as sacolas da minha mão, colocou no chão e correu para guardar a bicicleta na varanda, fechou o portão, pegou as sacolas e foi me empurrando para dentro da casa dela sorrindo, enquanto perguntava da minha vida. Havia barulho ali mais a frente, mas fui direcionado a cozinha dela onde ela começou a guardar as coisas enquanto continuava com o questionário sobre a minha vida.

- E você? – eu perguntei quando ela guardou tudo e parou sentando-se a minha frente em cima da bancada.
- Sou formada em administração, acredita? Sou eu que gerencio as doações pro orfanato e os ajudo nas contas, mesmo a distância. Acho que fazer contas em papel e lápis com meu pai acabou me agradando mesmo. Tenho uma tatuagem em homenagem a Back to The Future e vou trabalhar em NY quando o ano novo começar. Sem namorados, sem carro, sem drogas e ainda planejando visitar as pirâmides do Egito. – ela falou dando de ombros.

- Você não mudou muito então... – eu falei percebendo que embaixo daquela garota com roupas de marca e um olhar de quem sabia o que estava fazendo ainda havia aquela garota que se encantava com flocos de neve.

E aquilo doeu bastante, como se tivessem furado meu coração com mil agulhas grossas e de ponta afiada. Eu ainda amava-a, com todas as forças que meu coração podia ter. Ela era a razão de eu querer ser o melhor em qualquer coisa para poder bater na porta do pai dela e dizer que eu podia dar um futuro pra ela, mas isso era bobagem. Eu nunca cheguei a falar com o pai dela de fato. Não até ele entrar na cozinha.
Ele parou o que estava fazendo e me olhou, reparou no meu suéter velho e desbotado e sorriu. Sorriu de verdade.

- Garoto eu nunca esqueço um rosto, e por incrível que parece nunca esqueço uma roupa também. Principalmente quando ela foi minha. – ele fez um carinho em Mary Elisabeth que sorriu feliz. – Esse suéter era meu, sempre gostei dele. O doei há anos atrás para o orfanato da cidade quando minha barriga simplesmente não entrava nele. – ele apontou pra barriga que estava grande e riu.
Acabei rindo também, algo que me pareceu estranho depois que o fiz.

- Rosen pai. – ele falou. – Mas todos me chama de Wilbert, o barrigudo.

- Jeremy Wenber, antigo morador do orfanato e agora indo morar em NY. – eu falei.
- Calma garoto. – ele disse. – Não estamos o acusando aqui e nem querendo saber se cresceu na vida, todos sabem disso. Mary daqui a pouco vai te chamar de Bruce Wayne, o órfão prodígio de Gothan City. – ele falou fazendo Mary Elisabeth ficar vermelha. - Fica pro jantar, sua companhia vai ser muito agradável.

As palavras dele foram carinhosas e eu fiquei confuso me perguntando se o mundo estava de cabeça pra baixo. Um garoto entrou correndo e pulou no colo do pai de Mary fazendo ele sorrir ainda mais. Ele era negro, magro e com olhos claros. Com certeza não era um Rosen de sangue. Ele me olhou por cima do ombro dele, olhou pra Elisabeth e depois fechou a cara.

- Papai, papai? Porque Mary Elisabeth está namorando na cozinha? – ele disse.

Papai? Eu me perguntei confuso.

- Não estou namorando na cozinha George. – Mary disse, mas piscou pra mim.

- PAI! Ela piscou pra ele! Eu vi! – ele falou jogando suas perninhas no chão, descendo e puxando uma cadeira onde subiu para ficar na minha altura. – Eu sei o que você está pensando. Só porque sou adotado e novato nessa família não quer dizer que não possa agir como irmão da Mary. Não quero beijos na sala, ficar de mãos dadas é permitido e nada de ficarem sozinhos. – ele desceu da cadeira e foi puxando o pai dele para a sala. – Estou de olho em você moleque de olhos azuis.


- Jeremy, esse foi meu irmão George. Meu pai o adotou há uns nove meses e ele já manda mais aqui do que Peter. – ela disse descendo da bancada onde estava sentada.
- Quem é Peter?

- Peter é meu irmão mais velho, também adotado. Agora fora ele que está na sala com todos, você só não conhece o cachorro Magrelo do George, um vira lata preguiçoso e brincalhão. – ela disse se aproximando de mim.

Eu sorri pensando em como a família Rosen era diferente do que eu imaginava. Não havia nada de preconceitos neles ou egoísmo. Era uma família bem mista e divertida eu deduzi ouvindo os latidos de Magrelo na sala e as risadas que estavam sempre ao fundo. Virei meus olhos para comentar algo, mas Mary Elisabeth estava na minha frente parada.

- O que foi? – eu perguntei confuso.

- Nada, apenas senti sua falta. – ela falou coçando o braço.

- Também senti sua falta. – eu falei admitindo a verdade após anos. – Se você não estiver muito ocupada por NY podemos sair e conversar, não conheço ninguém na cidade.

Ela deu um sorriso enorme, como se de repente tivesse percebido que havia ganhado o melhor presente de Natal da vida.

- Papai mandou dizer que vai servir a ceia. – George falou entrando na sala com seus olhos acusadores por eu estar supostamente namorando a irmã dele.

- Certo. – eu falei seguido por Mary Elisabeth.

Entramos na sala onde Mary me apresentou a todos os presentes ali: mãe, avós, tios, primos e alguns vizinhos. Havia sem sombra de duvida umas trinta pessoas ali, espalhadas em mesas menores até que nos sentamos na mesa central onde fiquei do lado do irmão dela, o Peter que me elogiou por ter um colar de O Senhor dos Anéis. Era surreal estar ali, como se eu fizesse parte daquela família. Fiquei pensando naquilo por alguns segundos até que Mary Elisabeth apertou minha mão por baixo da mesa dizendo que eu tinha que fazer um pequeno agradecimento antes de comermos.

- Eu queria agradecer a vida que foi bastante dura comiga me fazendo apreciar e reconhecer muitos valores e acima de tudo a admitir quando estava errado num conceito. – eu falei conseguindo a atenção de todos ali, mesmo sem querer. – E a Mary Elisabeth que com apenas um sorriso me fez acreditar na magia do natal...

- Eu não disse que eles estavam namorando! – George acusou-me na mesa das crianças fazendo todos me olharem e então começarem a rir.

Eu olhei pro lado, onde Mary Elisabeth ainda segurava minha mão por baixo da mesa, com as bochechas em fogo, mas sorrindo. Soube naquele momento que natal era mais do que presentes e doações a orfanatos, era agradecer a todos as coisas boas que tínhamos na vida. Podia ser ela que havia feito eu perceber isso naquele momento,não importava tanto.

Pela primeira vez na vida eu disse Feliz Natal desejando que ele fosse bom de verdade. E sabia que estava sendo...

Feliz Natal a você que passou por aqui <3